Aqui você já entra aprendendo, o feminino de sommelier é sommelière, então não estranhe o nome do blog e nem pense que está errado!
Resolvi criar esse blog como uma maneira de dividir informações preciosas com apaixonados pela arte de Bacco. Aqui vocês encontraram alguns textos meus e outros que eu garimpo por ai e julgo itneressantes para dividir com vocês!
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domingo, 30 de agosto de 2015

ANIDRIDO SULFUROSO

Retirado do Blog do Jeriel. Texto de autoria de André Logaldi.
Tenho certeza de que é do conhecimento geral dos amigos enófilos que o uso do anidrido sulfuroso, o SO2, é justificado sobretudo pela suas duas principais ações: antioxidante e antisséptica. Todavia, ele tem sido estigmatizado por seu reconhecido potencial tóxico e causador de desconfortos como dores de cabeça e de estômago em pessoas sensíveis, principalmente os chamados atópicos como os alérgicos e asmáticos.
O SO2 só tem ação tóxica quando se encontra na forma “livre” e a sua quantidade total é a soma de sua forma livre com a sua forma combinada (ou molecular), ou seja, aquela que por afinidade química se liga a outras substâncias como no caso do vinho, os açúcares, aldeídos, cetonas e o oxigênio.
O suco de uvas se constitui um meio instável quimicamente que tende espontaneamente a se transformar sucessivamente em um produto mais estável. Assim ocorre a fermentação alcoólica que transforma os instáveis açúcares em etanol mais estável e finalmente ocorre a fermentação acética que transforma o etanol em ácido acético, último ponto de equilíbrio químico. O vinho é uma etapa intermediária e para ser preservado assim, deve ser estabilizado por adição de uma substância que impeça o curso natural de sua degradação e o SO2 é o mais versátil destes aditivos.

Ação antioxidante: uma de suas ações fundamentais uma vez que o mosto de uvas tem um enorme potencial de oxidação. Para que se tenha uma idéia, um mosto é de 10 a 40 vezes mais “oxidável” do que o seu vinho correspondente e isso se deve às atividades enzimáticas que ocorrem quando da primeira prensagem das uvas que liberam a tirosinase, uma enzima que hidrolisa os polifenóis. Lembremos que estas variações podem ser explicadas pelo fato de o mosto ser um meio inicialmente ácido e aquoso, sendo que ao longo da fermentação ele vai se tornando diferente por se transformar em um meio hidroalcoólico que vai lhe garantir uma maior estabilidade. O SO2 age removendo e indisponibilizando o oxigênio do meio e inibindo as enzimas do tipo oxidases, que catalisam as reações de oxidação.

Ação antisséptica: o anidrido sulfuroso mata bactérias lácticas, permitindo o pleno controle sobre o início da fermentação malolática (é muito importante que o enólogo não deixe esta fermentação se desencadear espontaneamente) e elimina o acetobacter, germe que necessita do oxigênio para sobreviver (aeróbico) e responsável pela reação de formação do vinagre, último estágio de tentativa de estabilização “natural” como explicado acima. As leveduras são menos sensíveis ao SO2, porém ele é capaz de inibir ou alentecer o metabolismo das leveduras selvagens em favor das selecionadas pelo enólogo.

Opção biodinâmica: nas degustações habituais o SO2 tem sido vilanizado, mas devemos lembrar que as doses preconizadas estão de acordo com as orientações da OMS e que mesmo na opção de vinhos de cultura biodinâmica, seu uso não é proscrito, pelo contrário, é admitido mas sempre obedecendo a filosofia destes produtores que pregam “a ausência total de SO2 livre no momento do consumo”. Como já vimos, o SO2 para ser inofensivo deve se combinar com outras moléculas e a biodinâmica preconiza doses que favoreçam a máxima combinação do anidrido sulfuroso para que não sobre nada ao se abrir a garrafa.
Por isso as doses são em torno de 7,5 gramas por hectolitro (g/Hl) de mosto. Para que se tenha uma idéia de proporção, as doses admitidas pela União Européia e o Brasil são de respectivamente 30 e 35g/Hl.
Mas o SO2 não tem somente estas propriedades, ele é muito importante por ser um potencial facilitador da extração de compostos fenólicos dos vinhos, momento fundamental na elaboração de vinhos tintos.

Princípios de extração fenólica: a maior parte da alma dos grandes vinhos tintos estão na sua concentração de cor e taninos, ou seja, nos compostos fenólicos que são substâncias químicas que contém um ou diversos núcleos benzênicos (aromáticos) com pelo menos um grupo hidroxila livre ou associado a outras funções, como os éteres, ésteres e heterosídeos.
Somente os vegetais e os microorganismos são capazes de sintetizar núcleos aromáticos e estes vão conferir ao vinho tinto sua cor, sabor, textura e potencial de longevidade na forma de taninos e antocianos.
Os fenóis das uvas estão compartimentados, ou seja, não estão livres dispersos no suco, mas dentro de vacúolos no interior da polpa e também nas paredes das cascas e das grainhas. Para otimizar a sua extração são necessárias algumas condições como um pH adequadamente ácido, não mais do 3,7, a presença de um solvente que é o próprio etanol que se forma durante a fermentação e finalmente de uma substância capaz de atuar desestabilizando a integridade das membranas celulares e é aqui que entra o anidrido sulfuroso pois ele age de modo eficaz provocando uma alteração da continuidade da membrana e facilita o escoamento dos conteúdos vacuolares, atuando de certa forma como um solvente também.
Não é possível extrair a totalidade dos compostos fenólicos das uvas sendo que parte deles fica retido nos bagaços e são de difícil extração, todavia na indústria de utilização de sub-produtos dos vinhos os bagaços podem ter ainda algum potencial de extração de taninos e de antocianos através do que se conhece por “maceração sulfítica”.
Fazer vinhos sem a adição de anidrido sulfuroso é possível, mas exige muita precaução, em vista do imenso potencial oxidativo do mosto. Entretanto podemos comprovar que o uso racional desta substância pode trazer excelentes resultados nos nossos vinhos.
Concluindo, a não utilização do SO2 pode terminar por exigir o uso de técnicas “piores”, tais como a utilização de ácido ascórbico, sorbato de potássio, filtração estéril e pasteurização, todos eles podendo causar alterações de sabor ou algum grau de toxicidade.
É impossível conceber um vinho sem nenhum traço de SO2 porque as próprias leveduras produzem esta substância como parte de seu metabolismo. Este SO2 das leveduras é chamado de “SO2 endógeno”. Por isso certos vinhos de certificação orgânica indicam no rótulo a frase “não foram adicionados sulfitos” juntamente a outra dizendo “sulfitos ocorrem naturalmente” (que é o sulfito endógeno).
Como última curiosidade: a elaboração do vinho libera o Acetaldeído, que sem a presença do SO2, geraria um imponente odor de cidra.

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