AFINAL, O QUE É O TERROIR?
Jorge Tonietto
Se eu não tivesse morado na França, escrever sobre terroir seria certamente mais fácil: eu
teria menor consciência da complexidade do termo. É que o terroir - o efeito terroir, os produtos
de terroir e o gosto do terroir fazem parte da cultura daquele país, impregnando naturalmente
seus habitantes desta noção complexa, o que não acontece com os não nativos.
A palavra terroir data de 1.229, sendo uma modificação lingüística de formas antigas (tieroir,
tioroer), com origem no latim popular "territorium". Segundo o dicionário Le Nouveau Petit
Robert (edição 1994), terroir designa "uma extensão limitada de terra considerada do ponto de
vista de suas aptidões agrícolas". Referindo-se ao vinho, aparecem exemplos de significados
como: "solo apto à produção de um vinho", "terroir produzindo um grand cru", "vinho que possui
um gosto de terroir", "um gosto particular que resulta da natureza do solo onde a videira é
cultivada".
Nos dias atuais o termo terroir remete a uma conotação positiva em relação ao vinho. Contudo,
isto não foi sempre assim. Na França do século XIX, o termo era associado a um vinho que
não tinha o caráter nobre (cru) para ser consumido pelas pessoas da cidade, mas referia-se ao
vinho com "gosto de terroir", na época associado a um caráter qualitativo pejorativo - a um
vinho para ser consumido por gente do interior.
O termo terroir veio a ganhar conotação positiva nos últimos 60 anos, quando a valorização da
delimitação dos vinhedos nas denominações de origem de vinhos na França veio a balizar
critérios associados à qualidade de um vinho, incluindo o solo e a variedade, dentre outros. A
palavra terroir passa a exprimir a interação entre o meio natural e os fatores humanos. E esse
é um dos aspectos essenciais do terroir, de não abranger somente aspectos do meio natural
(clima, solo, relevo), mas também, de forma simultânea, os fatores humanos da produção -
incluindo a escolha das variedades, aspectos agronômicos e aspectos de elaboração dos
produtos. Na verdade o terroir é revelado, no vinho, pelo homem, pelo saber-fazer local. O
terroir através dos vinhos se opõe a tudo o que é uniformização, padronização,
estandardização e é convergente ao natural, ao que tem origem, ao que é original, ao típico, ao
que tem caráter distintivo e ao que é característico.
Se terroir inclui fatores naturais e humanos, ele não pode ser apropriado somente por um clima
particular, ou um solo particular, por exemplo. Terroir é mais que isto. Por outro lado, há que
considerar que um clima particular pode ser um elemento que explique parcialmente o efeito
terroir, sendo portanto um elemento do mesmo. Nos anos 1970, o pesquisador Gérard Seguin
foi pioneiro em pesquisas que passaram a desvendar, no mundo científico, os elementos de
compreensão do efeito dos fatores naturais (físicos) do terroir sobre a tipicidade dos vinhos de
Bordeaux.
Assim, não existe terroir sem o homem. O termo terroir, então, apresenta uma coerência
geográfica, sócio-econômica e jurídica. Na verdade ele está na base do conceito das
denominações de origem.
Mas, nos países do Novo Mundo vitivinícola, o temo terroir têm sido usado muitas vezes de
forma imprópria, freqüentemente sem aderência ou conhecimento em relação ao efetivo
significado do termo. Pela associação positiva entre terroir e vinho, é freqüentemente utilizado
com objetivos puramente comerciais, apropriando o termo no marketing para sensibilizar
consumidores, sem real fundamento.
No meu entender, o uso inadequado do termo terroir pode estar levando à perda de uma
oportunidade. Acontece que nenhuma língua possui um termo equivalente para expressar o
significado da palavra terroir. Mesmo alguns termos que guardam parte do seu significado,
como por exemplo o termo "terruño", da língua espanhola, não possuem o significado
complexo do terroir. Isto tem resultado na aceitação e crescente uso do termo terroir em
diferentes países vitivinícolas do mundo.
Eu acredito que a palavra terroir será, no futuro, adotada e reconhecida internacionalmente no
mundo do vinho. Se assim for, será necessário melhor precisar o conceito do termo.
Vejam que, em 1999, a comissão da ONU sobre desenvolvimento sustentável adotou uma
definição sobre terroir, como elemento importante a ser considerado. A UNESCO aprofundou
esta questão no âmbito da diversidade cultural, elemento chave do desenvolvimento
sustentável.
Vinhos de terroir são vinhos com todos os requisitos para serem reconhecidos como
denominações de origem, pois agregam origem, diferenciação e originalidade dos produtos.
Por isto, o termo terroir poderá vir a estar, no futuro, associado juridicamente àquelas
indicações geográficas de vinhos que expressem efetivamente vinhos de terroir. Se isto vier a
ocorrer, será necessário ter o cuidado - e o Brasil também deve se preocupar com isto, de
consensuar uma definição internacional objetiva para o termo terroir. Tal definição deverá
assegurar que a proteção jurídica venha na medida adequada, mantendo os elementos essenciais do conceito, sem contudo restringir em excesso o enquadramento dos vinhos. Uma
definição muito restritiva poderia via a penalizar a competitividade da vitivinicultura dos países
do Novo Mundo no âmbito da produção e do comércio internacional, incluindo os acordados via
Organização Mundial do Comércio - OMC ou através de outros marcos comerciais regulatórios.
Mas o tema do terroir não se esgota nestes parágrafos, deixando sempre espaço para distintas
abordagens, reflexões e questionamentos como: terroir tem que ser uma área delimitada?
Terroir tem que representar um saber-fazer coletivo? Terroir deve expressar no produto uma
tipicidade? Há necessidade de uma reputação do produto?
A verdade é que terroir é um termo que estará em constante movimento, assim como a
vitivinicultura mundial está.
Mas, falando em terroir, conforme comentei no artigo anterior, entendo que o espumante da
Serra Gaúcha é um produto de terroir. Mas este produto de terroir corre o risco de ter sua
imagem comprometida ao longo do tempo, com perda de identidade, qualidade e originalidade.
Isto porque existe uma competição que está se estabelecendo de diversas formas: através de
produtos de menor qualidade e preço, por uma diversificação de estilos de espumantes na
própria Serra Gaúcha, pela elaboração de espumantes com variedades não tradicionais, pelos
espumantes que passam a ser produzidos em outras regiões do Brasil, bem como pelo
aumento da participação dos espumantes importados no mercado brasileiro.
Mas, é possível proteger o legítimo espumante da Serra Gaúcha? Como se pode preservar
esta instituição - verdadeiro produto de terroir? Este assunto, caro leitor, é o tema do próximo
artigo.
*Artigo de mídia publicado no Jornal Bon Vivant e disponibilizado no site da Embrapa Uva e
Vinho (http://www.cnpuv.embrapa.br/publica/artigos) em 15/05/07.
TONIETTO, J. Afinal, o que é Terroir? Bon Vivant, Flores da Cunha, v. 8, n. 98, p. 08, abr.
2007.
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