"O Brasil entrou numa guerra comercial. E vai perder"
No ano passado, um em cada cinco produtos vendidos no varejo brasileiro foi fabricado fora do País. A participação dos importados, segundo a Confederação Nacional da Indústria, atingiu 19,8% do consumo interno, um recorde histórico na economia brasileira.
Por Hugo CILO
António SOARES FRANCO – Seria, mas no caso das salvaguardas ao nosso mercado é absurdo. Os produtores gaúchos estão muito bem. A produção é recorde e as vendas crescem a cada ano. Além disso, eles dominam 80% do consumo brasileiro de vinhos e produzem vinhos finos em baixa quantidade e baixa qualidade. Ou seja, restringir ainda mais a entrada dos vinhos importados é uma decisão descabida e ridícula. O Brasil entrou numa guerra comercial. E vai perder.
DINHEIRO – O que pode acontecer?
FRANCO – Pode ter certeza de que o prejuízo do País com essa medida será muito maior do que a que os produtores europeus terão com o Brasil. A tentativa de blindar a economia brasileira terá consequências sérias, principalmente porque não faz o menor sentido. Nós iremos a Bruxelas (sede da União Europeia) para exigir que a importação do Brasil também seja sobretaxada.
DINHEIRO – Mas a participação dos vinhos brasileiros na Europa é minúscula...
FRANCO – Não iremos pedir retaliação ao vinho brasileiro. Quase não há vinhos brasileiros na Europa. Vamos contra-atacar o Brasil onde doer mais. Pode ser no café, pode ser na soja, nos automóveis ou em qualquer outro segmento em que o Brasil é forte. O governo brasileiro precisa saber que o comércio internacional é uma via de mão dupla. Se declarar uma guerra insensata a produtos europeus, como a que está para acontecer, num período em que a Europa vive um momento econômico difícil, pode ter certeza de que haverá troco.
DINHEIRO – O governo português também aumentou os impostos sobre os importados para reduzir o déficit fiscal e gerar empregos...
FRANCO – O governo português não aumentou um por cento sequer dos impostos a produtos brasileiros. Em qualquer lugar do país, a taxa de importação máxima não passa de 5%. Aqui já pagamos 26% de imposto. Nosso principal vinho, o Periquita, custa a partir de R$ 26 nos supermercados brasileiros. A mesma garrafa custa € 3,99 em Portugal. Isso mostra que, se passar a custar R$ 40, quem perde é o consumidor.
DINHEIRO – Os produtores europeus estão preocupados com a medida do governo brasileiro porque as vendas estão em queda na Europa?
FRANCO – As vendas estão realmente caindo em todos os países europeus. Mas o consumo per capita lá chega a 100 litros por ano. No Brasil, o consumo não passa de 1,5 litro anual por habitante. É muito pouco. Em países como Portugal, Espanha, Alemanha e França, bebe-se menos a cada ano, mas com mais qualidade. A venda de vinhos finos está em alta.
DINHEIRO – Se o consumo per capita é tão baixo, por que se preocupar tanto com ele?
FRANCO – O Brasil é um mercado importante para nós, não só por ter 200 milhões de habitantes e por ter um gigantesco potencial de crescimento, mas porque colocou nos últimos anos mais de 30 milhões de pessoas, que antes viviam na pobreza, no mercado de consumo. É por isso que tanta gente está bebendo mais vinho e apreciando produtos de boa qualidade. Ao limitar a entrada de importados de qualidade no País, o governo está nivelando por baixo um mercado que poderia ser muito mais sofisticado.
DINHEIRO – Apenas o nicho de vinhos finos será impactado pelo aumento de imposto?
FRANCO – Sim, mas não podemos dizer que o vinho gaúcho é vinho fino. Não somos concorrentes dos produtores brasileiros que, reforço, já dominam 80% do mercado local, e agora querem 100%. As condições climáticas do Rio Grande do Sul são horríveis para o cultivo da uva. Lá chove demais. A umidade favorece o surgimento de fungos nas parreiras. Existe uma piada entre os produtores europeus que diz que as folhas das parreiras gaúchas são azuis, em vez de verdes, de tanto veneno que se usa para conseguir produzir uva lá. Piada de mau gosto ou não, o fato é que as vendas deles dispararam nos últimos anos. Se os brasileiros querem se tornar uma potência em vinhos, precisa arrumar outro lugar para plantar.
DINHEIRO – A iniciativa partiu do governo ou dos produtores gaúchos?
FRANCO – Acho que dos dois. O problema é que, desde sempre, torcemos pelo sucesso dos produtores gaúchos. Sabemos que, se o brasileiro criar o hábito de apreciar um bom vinho, sempre haverá espaço para todos. Mas, por outro lado, parece que eles nos querem ver mortos. São donos de 80% do mercado, mas querem a totalidade. Em qualquer lugar do mundo há vinhos portugueses. Nem por isso os produtores locais foram afetados.
DINHEIRO – Se a medida é tão ruim, por que o governo tomou essa decisão?
FRANCO – O governo brasileiro está fazendo populismo desnecessário. Talvez seja uma visão equivocada de proteção da indústria local ou, quem sabe, influência da amizade com o presidente Hugo Chávez, da Venezuela. Sinceramente, é difícil
de entender.
DINHEIRO – A crise europeia torna essa medida um problema ainda maior?
FRANCO – A Europa vive uma situação aflitiva. O desemprego está matando a economia do continente. Portugal tem uma taxa de desemprego de 14%, a maior que eu já vi. Na Espanha, esse índice é de 24%. Muita gente que hoje tem 40 ou 45 anos, e está desocupada, nunca mais conseguirá um emprego. O pânico da Alemanha com a inflação, devido aos traumas deles com a recessão pré-Hitler, está impondo medidas sérias a todas as economias da Europa. A situação é muito grave. É claro que, qualquer medida que prejudique ainda mais nossas empresas, não será bem-vista pelos países do bloco.
DINHEIRO – A sobretaxa não afetará apenas os vinhos europeus...
FRANCO – O que é ainda pior. Graças a um acordo de mais de uma década, os vinhos chilenos não pagam impostos, em troca de desoneração para o maquinário brasileiro. Com a sobretaxa, esse acordo será jogado no lixo: isso é quebra de contrato. O Brasil descumprirá um acordo que foi assinado e que, evidentemente, gerará uma retaliação legítima do governo chileno. Além disso, com essa medida, haverá uma explosão de vinhos argentinos no Brasil, que produzem em grande quantidade e boa qualidade. A reclamação dos gaúchos continuará.
DINHEIRO – Se entrar em vigor, como seu faturamento será afetado?
FRANCO – Ainda não sabemos como será, mas é evidente que haverá um forte impacto. Hoje, o Brasil é nosso terceiro maior mercado, depois de Suécia e Itália. Somos o maior fornecedor de vinhos ao Brasil, com mais de 1 milhão de garrafas por ano e vendas de € 2,5 milhões.
DINHEIRO – Seus planos serão afetados?
FRANCO – Hoje, nosso carro-chefe é o vinho Periquita. Tínhamos o plano de trazer o Periquita Reserva ao País, e vamos mantê-lo. Nossos vinhos são trazidos ao Brasil há cerca de 150 anos. Nossa relação é muito antiga. Sou a sexta geração da família que fundou, em 1834, a vinícola José Maria da Fonseca, a mais antiga produtora de vinhos de Portugal e uma das maiores em volume. É claro que, em todo esse tempo, desenvolvemos vinhos que eu, particularmente, gostaria de ver no Brasil. Mas, em razão das salvaguardas, não temos previsão de exportar para o País.
DINHEIRO – A questão cambial está afetando o setor de vinhos?
FRANCO – Quase nada. Eu vendo meus vinhos em euro, não importa para qual país. Então, como a moeda está estável, as variações cambiais não influenciam muito.
DINHEIRO – E o real forte?
FRANCO – O problema é que o real está supervalorizado. Os produtores brasileiros, com a moeda forte, não conseguem exportar seus produtos a preços competitivos. E as mercadorias estrangeiras, que têm impostos muito menores e são mais competitivas em questão de custos, entram no Brasil com valores mais atrativos. Daí, talvez, tenha surgido a falsa ideia de que os importados são vilões. Mas o País deveria usar esse cenário para aprimorar sua indústria, em vez de assumir que não conseguem concorrer.
DINHEIRO – Vocês já tentaram negociar com o governo brasileiro?
FRANCO – Não vamos fazer isso. Não é nossa função nem fomos convidados a conversar. Nos próximos dias, o maior importador de vinhos do Brasil divulgará uma carta aberta contra a medida do governo. A carta, além de ser uma forma de protesto, irá mostrar, com argumentos, que o aumento dos impostos não faz sentido algum.
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