A produção artesanal, que faz o charme e o encanto da enologia européia (além de
representar o veio principal dos grandes vinhos mundiais de terroir), sofre ameaça de extinção no Brasil. Ou melhor, está em vias de desaparecer antes mesmo de ter nascido. O verdadeiro conhecedor dos vinhos europeus de exceção deve questionar a razão de não existir aqui o universo de pequenos vinhateiros que pipocam pelas aldeias européias, fornecendo vinhos naturais autênticos e contrastantes entre si, cujas nuances e personalidades mudam a cada 5
quilômetros - para a felicidade dos enófilos. As caves silenciosas são rústicas, e não há traços de inóx - considerado um elemento estranho. O verdadeiro tesouro, apresentado com orgulho, repousa no interior das barricas. Esse conhecedor deve questionar, igualmente, a falta de opções e a proliferação de vinhos tecnológicos idênticos entre si, e o porquê da grande quantidade
produtores pensando mais como gerentes de banco que vinhateiros, e mostrando mais orgulho de suas plantas industriais em inóx que do próprio produto que delas sai. Oz Clarke, em recente visita, considerou os vinhos brasileiros muito "formatados". Mas isso não é uma exclusividade do Brasil: qualquer região que não valorize vinhos naturais ou incentive uma vinicultura artesanal cairá na vala comum dos vinhos tecnológicos - iguais em qualquer parte do mundo. É evidente o desperdício de recursos quando essas instituições do setor trazem jornalistas estrangeiros para visitar o circuito das indústrias de vinho. Nada mais aborrecedor para um crítico sério que passar 14 horas num avião para visitar indústrias. As indústrias têm sua importância, mas cabe ao artesanato a fama e o conceito de uma região vinícola. É a voz da terra que um jornalista sério deve ouvir quando explora uma região de vinhos, e não o ruído das esteiras industriais. Após visitar as fábricas, esse jornalista deveria perguntar: "Ok, agora me mostrem os vinhos de agricultor".. Onde estão nossos vinhos de agricultor, feitos sem manipulações químicas nos porões de pedra das pequenas propriedades?As causas dessa lacuna estão enraizadas nos valores de uma sociedade movida mais pelo dinheiro que pela cultura, onde governo e instituições convivem confortavelmente com a realidade de uma meia-dúzia de vinícolas reinando solitárias - contanto que possam arcar com a carga extorsiva de impostos. Prova dessa conivência é o selo fiscal e outras medidas que submetem o vinho artesanal feito em poucas garrafas às mesmas exigências impostas às usinas produtoras de milhões de litros. Para quem não sabe, esse pacto econômico extermina os negócios de pequenos produtores, e é uma das explicações para não vermos florescer aqui vinhos artesanais de grande qualidade, como ocorre na Europa. Se
para produzir 5 mil garrafas um produtor sofre os mesmos entraves e exigências impostos a quem produz 20 milhões e garrafas, e normal que desista de produzir. Tal pacto torna praticamente inviável financeira, formal e contábilmente o registro de uma vinícola artesanal pequena, para cinco ou dez mil garrafas-ano, por exemplo. Em outros termos, o "vinho de terroir" brasileiro está fadado à marginalidade, ou à simples inexistência. Isso fica evidente se observarmos como selo fiscal está sendo ministrado, ou como o enorme gasto com notas eletrônicas foi imposto a força para qualquer tamanho de vinícola, podendo-se ou não bancar
seus custos. É imaginável pensar um agricultor, em pleno meio rural, acessando a internet e emitindo notas eletrônicas para comercializar suas 5 mil garrafas? Vivemos num país à contramão de tudo. A produção de vinhos artesanais em pequena quantidade, que deveria ser encorajada de todas as forças como expressão cultural de um povo, é aqui reprimida.Em suma, quando a expressão vinhateira de um país é guiada apenas por objetivos financeiros, o empobrecimento cultural é evidente. Assim, às barbas do público, uma tradição familiar vinhateira de mais de um século vem rapidamente se transformando numa imensa fábrica de refrigerantes.Isolados pouco podemos contra esse círculo vicioso que amarra poder econômico, governo, instituições e imprensa. Mas unidos, poderemos tentar reverter o quadro. É tolice esperar o apoio da imprensa especializada, mas felizmente dispomos deste instrumento da liberdade chamado Internet. Portanto, amigo enófilo, faça sua parte divulgando esta mensagem à sua confraria ou companheiros de degustação. Precisamos identificar os responsáveis por esse estado de coisas, e fazer pressão para reverter o quadro.
Texto de Marco Danielle
representar o veio principal dos grandes vinhos mundiais de terroir), sofre ameaça de extinção no Brasil. Ou melhor, está em vias de desaparecer antes mesmo de ter nascido. O verdadeiro conhecedor dos vinhos europeus de exceção deve questionar a razão de não existir aqui o universo de pequenos vinhateiros que pipocam pelas aldeias européias, fornecendo vinhos naturais autênticos e contrastantes entre si, cujas nuances e personalidades mudam a cada 5
quilômetros - para a felicidade dos enófilos. As caves silenciosas são rústicas, e não há traços de inóx - considerado um elemento estranho. O verdadeiro tesouro, apresentado com orgulho, repousa no interior das barricas. Esse conhecedor deve questionar, igualmente, a falta de opções e a proliferação de vinhos tecnológicos idênticos entre si, e o porquê da grande quantidade
produtores pensando mais como gerentes de banco que vinhateiros, e mostrando mais orgulho de suas plantas industriais em inóx que do próprio produto que delas sai. Oz Clarke, em recente visita, considerou os vinhos brasileiros muito "formatados". Mas isso não é uma exclusividade do Brasil: qualquer região que não valorize vinhos naturais ou incentive uma vinicultura artesanal cairá na vala comum dos vinhos tecnológicos - iguais em qualquer parte do mundo. É evidente o desperdício de recursos quando essas instituições do setor trazem jornalistas estrangeiros para visitar o circuito das indústrias de vinho. Nada mais aborrecedor para um crítico sério que passar 14 horas num avião para visitar indústrias. As indústrias têm sua importância, mas cabe ao artesanato a fama e o conceito de uma região vinícola. É a voz da terra que um jornalista sério deve ouvir quando explora uma região de vinhos, e não o ruído das esteiras industriais. Após visitar as fábricas, esse jornalista deveria perguntar: "Ok, agora me mostrem os vinhos de agricultor".. Onde estão nossos vinhos de agricultor, feitos sem manipulações químicas nos porões de pedra das pequenas propriedades?As causas dessa lacuna estão enraizadas nos valores de uma sociedade movida mais pelo dinheiro que pela cultura, onde governo e instituições convivem confortavelmente com a realidade de uma meia-dúzia de vinícolas reinando solitárias - contanto que possam arcar com a carga extorsiva de impostos. Prova dessa conivência é o selo fiscal e outras medidas que submetem o vinho artesanal feito em poucas garrafas às mesmas exigências impostas às usinas produtoras de milhões de litros. Para quem não sabe, esse pacto econômico extermina os negócios de pequenos produtores, e é uma das explicações para não vermos florescer aqui vinhos artesanais de grande qualidade, como ocorre na Europa. Se
para produzir 5 mil garrafas um produtor sofre os mesmos entraves e exigências impostos a quem produz 20 milhões e garrafas, e normal que desista de produzir. Tal pacto torna praticamente inviável financeira, formal e contábilmente o registro de uma vinícola artesanal pequena, para cinco ou dez mil garrafas-ano, por exemplo. Em outros termos, o "vinho de terroir" brasileiro está fadado à marginalidade, ou à simples inexistência. Isso fica evidente se observarmos como selo fiscal está sendo ministrado, ou como o enorme gasto com notas eletrônicas foi imposto a força para qualquer tamanho de vinícola, podendo-se ou não bancar
seus custos. É imaginável pensar um agricultor, em pleno meio rural, acessando a internet e emitindo notas eletrônicas para comercializar suas 5 mil garrafas? Vivemos num país à contramão de tudo. A produção de vinhos artesanais em pequena quantidade, que deveria ser encorajada de todas as forças como expressão cultural de um povo, é aqui reprimida.Em suma, quando a expressão vinhateira de um país é guiada apenas por objetivos financeiros, o empobrecimento cultural é evidente. Assim, às barbas do público, uma tradição familiar vinhateira de mais de um século vem rapidamente se transformando numa imensa fábrica de refrigerantes.Isolados pouco podemos contra esse círculo vicioso que amarra poder econômico, governo, instituições e imprensa. Mas unidos, poderemos tentar reverter o quadro. É tolice esperar o apoio da imprensa especializada, mas felizmente dispomos deste instrumento da liberdade chamado Internet. Portanto, amigo enófilo, faça sua parte divulgando esta mensagem à sua confraria ou companheiros de degustação. Precisamos identificar os responsáveis por esse estado de coisas, e fazer pressão para reverter o quadro.
Texto de Marco Danielle